HISTÓRIA DE VIDA
Ana e André têm dois filhos. O casal vive há cinco anos no bairro Catambor, em Luanda. Tudo começou, poucos meses depois de ambos terem decidido viver juntos. André é pedreiro de profissão; bebe muito e, por tudo e por nada, maltrata a esposa à bofetada e aos pontapés. André não entra com o seu salário para sustentar a família; contudo, quando chega a casa, faz exigências para as quais ele não contribui. Num acto de fúria, partiu, com um soco, os dentes da mulher. Desde que a violência doméstica começou, nunca mais houve paz no casal. Ana não sabe explicar por que é que o André, tão gentil com as demais pessoas, se comporta assim com ela. Quando se queixa aos familiares do mau feitio do marido, não acreditam nela.
FUNDAMENTO
Em 1981, entrou em vigor a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) que reafirma os princípios da Declaração Universal dos Direiros Humanos e realça a erradicação de todas as formas de discriminação contra as mulheres. Tendo entrado em vigor aos 3 de Setembro de 1981, esta Convenção foi ratificada por 186 Países. Angola assinou-a no dia 17 de Setembro 1986.
A CEDAW é o instrumento indispensável para promover e proteger os direitos humanos das mulheres.
- Está dividida em 30 Artigos;
- Contém uma definição da discriminação contra as mulheres;
- Obriga os Estados signatários a absterem-se de acções discriminatórias com base no sexo;
- Obriga os Estados signatários a tomar medidas para se alcançar a igualdade entre homens e mulheres em todas as áreas;
- Reconhece que as mulheres, na vida pública e política, têm os mesmos Direitos que os homens: direito a adquirir uma nacionalidade, à educação, à vida, ao divórcio e à família;
- Reconhece e condena todas as formas de violência doméstica.
Em 1992, o Comité para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres adopta a Recomendação Nº. 19 sobre violência contra a mulher onde se estabelece que a violência contra a mulher pelo simples facto de ser mulher deve ser incluída entre as formas de discriminação da mulher, e exige que todos os países que ratificaram a CEDAW apresentem relatórios à Comissão de quatro em quatro anos, contendo informações sobre as leis que digam respeito à mulher, sobre a reincidência da violência contra a mulher nem como sobre as medidas tomadas para a deter e eliminar.
Em 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre a eliminação da violência contra a mulher; nela se definiu a violência contra a mulher como todo o acto de violência baseado no género que tem como resultado possível ou real um dano físico, sexual ou psicológico, incluindo as ameaças, a coerção ou a proibição arbitrária da liberdade, tanto em público como em privado.
A Declaração estabelece que a violência contra a mulher inclui, entre outras coisas:
- Violência física, sexual e psicológica que ocorra na família, incluindo maus tratos, espancamentos, abuso sexual das meninas no lar, a violência relacionada com o dote, a violação marital, a mutilação genital feminina e a violência relacionada com a exploração.
- A violência física, sexual e psicológica que ocorra na comunidade, incluindo a violação, o abuso sexual, o assédio e a intimidação sexual no ambiente de trabalho, em instituições educacionais ou em qualquer outro lugar público, a escravidão sexual de mulheres e meninas e a prostituição forçada.
- Violência física, sexual ou psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que esta ocorra.
Aos 17 de Dezembro de 1999, a Assembleia Geral da Nações Unidas designou o dia 25 de Novembro como o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher. As Nações Unidas convidou governos, organizações internacionais e organizações não gorvenamentais a organizar, nesta data, actividades capazes de sensibilizar o público sobre o grave problema da violência contra a mulher.
A proposta do Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, surgiu na República Dominicana com o apoio de 60 países.
Também em 1993, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas designou a primeira Relatora especial sobre a violência contra as mulheres por um período de três anos. Cabe à Relatora receber denúncias e investigações sobre casos de violência contra as mulheres em todos os países membros da Nações Unidas. O seu primeiro relatório versou o tema da violência de género; o segundo focou a violência doméstica e a escravidão sexual.
Em 1995, realizou-se a Quarta Conferência Mundial da Mulher, onde se afirmou: “A violência contra as mulheres é um obstáculo que não permite atingir os objectivos da igualdade, do desenvolvimento e da paz. A violência contra a mulher viola e anula a liberdade fundamental e o gozo efectivo dos Direitos Humanos”. O fracasso permanente dos Estados quanto à protecção e à promoção desses direitos e liberdades é um assunto que lhes diz respeito e que deve ser discutido.
Em 2005, entrou em vigor o Protocolo Adicional à Carta Africana dos Direitos Humanos e os Direitos dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África, adotado da União Africana em Julho de 2003, chamado Protocolo de Maputo. Trata-se de um documento com muitos aspectos positivos para a promoção e proteção dos Direitos Humanos das mulheres africanas. Este Protocolo, de 32 Artigos, revela uma visão ampla dos Direitos Humanos, tais como o direito das viúvas à herança, o direito protegido de divórcio, o direito à participação na competição política e no mundo do trabalho, a proibição de casamentos forçados e precoces, o direito à integridade física e à proibição de todas as práticas nocivas tradicionais, como a mutilação genital feminina.
O Protocolo de Maputo afirma, no âmbito do direito à saúde reprodutiva (artigo 14c), que os estados devem proteger os direitos reprodutivos das mulheres “autorizando o aborto clinicamente assistido nos casos de violação e incesto e sempre que a continuação da gravidez ponha em risco a saúde mental e física da mãe ou a vida da mãe ou a do feto”.
O Papa Bento XVI, durante a sua viagem apostólica à África, em Março de 2009, criticou o art.14c, mostrando uma grande preocupação, na medida em que ele legaliza o aborto para fins terapêuticos.
Outro elemento a que se deve prestar grande atenção é o termo “género”, utilizado no direito internacional, para referir a discriminação entre homem e mulher.
Nele, por género, entende-se o conjunto de características, de oportunidades e expectativas que a sociedade atribui às pessoas com base no seu sexo. É uma construção social – não natural – que muda de um grupo social para outro e de uma época para outra, enquanto que o termo sexo refere a diferença biológica, determinada geneticamente, entre homens e mulheres.
A Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo, apesar de reconhecer o diferente significado dos dois termos, chamou a atenção para possíveis instrumentalizações na sua interpretação, afirmando: “ A diferença corpórea, denominada sexo aparece minimizada, ao contrário da dimensão estritamente cultural, chamada género, que é sobremaneira sublinhada e considerada como primária. O facto de se pôr na sombra a diferença entre os sexos traz consequências enormes aos diversos níveis.
Esta antropologia – que visava favorecer perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de qualquer determinismo biológico – inspirou, na realidade, ideologias que promovem, entre outras coisas, pôr em causa a família, bi-parental por sua índole natural, quer dizer, composta de pai e mãe; a equiparação da homossexualidade à heterossexualidade e um novo modelo de sexualidade pluriforme”.
- A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres
- A Declaração sobre a eliminação da violência contra a mulher
- O Protocolo Adicional à Carta Africana dos Direitos Humanos e os Direitos dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África
- A Recomendação N. 19 sobre violência contra a mulher.
Possíveis Consequências da Violência Contra as Mulheres (OMS)
FÍSICAS:
- Lesão abdominal
- Contusões e cílios
- Síndromes de dor crônica
- Deficiência
- Fibromialgia
- Fraturas
- Distúrbios gastrointestinais
- Síndrome do Intestino Irritável
- Lacerações e abrasões
- Danos aos olhos
- Função física reduzida
SEXUAL/ REPRODUTIVAS
- Distúrbios ginecológicos
- Infertilidade
- Doença inflamatória pélvica
- As complicações da gravidez / aborto
- Disfunção Sexual
- Doenças sexualmente transmissíveis, incluindo VIH/SIDA
- Aborto em risco
- Gravidezes indesejadas
PSICOLÓGICA/ COMPORTAMENTAL
- Abuso de álcool e drogas
- Depressão e Ansiedade
- Transtornos alimentares e do sono
- Senso de vergonha e culpa
- Ataques de fobias e pânico
- Inatividade física
- Baixa auto-estima
- Estresse Pós-Traumático
- Distúrbios psicossomáticos
- Fumo
- Comportamento suicida e auto-destrutivos
- Comportamentos sexuais de risco
ONDE ENCONTRAR SOLUÇÕES NO NOSSO CONTEXTO ?
A pessoa vítima de violência ou de maus tratos deve, logo que possível, denunciar o caso às autoridades policiais de modo a ser devidamente tratada. O mesmo se deve fazer em caso de violência doméstica, quando, por exemplo, a mulher for espancada pelo marido.
Nem sempre é fácil encontrar uma solução para o seu caso. Muitas vezes, as próprias autoridades judiciais, a quem os cidadãos recorrem, não sabem o que fazer em questões ligadas à violência doméstica ou resolvem-nas deficientemente. Mesmo assim, não se deve dar lugar ao desânimo.
É preciso insistir porque, só com as autoridades competentes é que se poderá chegar a uma solução adequada.
Em casos de violência doméstica – os mais frequentes nas nossas comunidades – a pessoa lesada pode apresentar queixa na Esquadra da Polícia mais próxima da sua residência. Em Luanda, funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 12 horas, no bairro da Vila Alice, na Rua da Liberdade, nº 134, o Centro de Aconselhamento da OMA, que conta com o auxílio de juristas experientes; este Centro tem-se esforçado por resolver todos os casos de violência doméstica que alí aparecem diariamente.
Por: José da Silva Mateus