Marco vive em Luanda, no bairro Golfe 2 onde, a muito custo, ergueu a sua casa. Manuel, um seu vizinho acabado de chegar, após ter construído também ele uma moradia, decidiu abrir várias janelas na parede que separa os dois quintais. Marco advertiu-o, de bons modos, dizendo-lhe que a lei não permitia tal coisa, mas ele não fez caso. A partir de então, Marco e a sua família não conseguem viver em paz na sua própria casa, uma vez que as aberturas no muro da casa do Manuel lhes tiraram toda a privacidade. Este caso tem vindo a criar um ambiente de tensão entre os dois vizinhos. Marco afirma que se sente perturbado por olhares indiscretos; Manuel não liga ao que ele diz.
FUNDAMENTAÇÃO
Neste caso foi violado o Direito ao respeito pela vida privada consagrado no Artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que afirma:
“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataque toda a pessoa tem Direito a protecção pela lei”.
O Artigo 12º da Declaração Universal sublinha que o desrespeito pelo Direito à vida privada, leva a cometer actos contrários ao Direito à privacidade, como:
- Entrar abusivamente em casa de alguém sem autorização do dono.
- Falar mal das pessoas, espalhar calúnias ou falsas declarações.
- Controlar e abrir cartas alheias ou impedir que elas cheguem aos destinatários.
- Espiar as conversas ou a forma de viver das pessoas na sua vida privada.
Também o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no Artigo 17º, determina o seguinte:
1. Ninguém poderá ser objecto de ingerências arbitrárias ou ilegais na vida privada, na família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação.
2. Todas as pessoas terão direito à protecção da lei contra essas ingerências ou ofensas.
Por seu turno, a Constituição Angolana, nos seus Artigo 32º (Direito à identidade, à privacidade e à intimidade), Artigo 33º (Inviolabilidade do domicílio) e Artigo 34º (Inviolabilidade da correspondência e das comunicações) apela para que se respeite esse Direito, ao afirmar:
Artigo 32º
(Direito à identidade, à privacidade e à intimidade)
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à nacionalidade, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva de intimidade da vida privada e familiar.
2. A lei estabelece as garantias efectivas contra a obtenção e a utilização abusivas ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias.
Artigo 33º
(Inviolabilidade do domicílio)
1. O domicílio é inviolável.
2. Ninguém pode entrar ou fazer busca ou apreensão no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo nas situações previstas na Constituição e na lei, quando munido de mandato da autoridade judicial competente, emitido nos casos e segundo as formas legalmente previstas ou, em caso de flagrante delito ou situação de emergência, para prestação de auxílio.
3. A lei estabelece os casos em que pode ser ordenada por autoridade judicial competente a entrada, busca e apreensão de bens, documentos ou outros objectos em domicílio.
Artigo 34º
(Inviolabilidade da correspondência e das comunicações)
2. Apenas por decisão de autoridade judicial competente proferida nos termos da lei, é permitida a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nos demais meios de comunicação.
DOCUMENTOS INTERNACIONAIS
- A Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 12º)
- O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.17º)
A Constituição Angolana
- Artigo 32º (Direito à identidade, à privacidade e à intimidade)
- Artigo 33º (Inviolabilidade do domicílio)
- Artigo 34º (Inviolabilidade da correspondência e das comunicações)
CONSEQUÊNCIAS:
As consequências da violação deste Direito são inúmeras. Destacamos:
- Pessoas propensas a viver em estado de tensão permanente.
- A falta de paz.
Na verdade, por vezes, é realmente muito difícil encontrar uma solução capaz de resolver determinadas situações. Marco, apesar de, educadamente, ter dialogado com o vizinho Manuel, no sentido de lhe fazer ver que não estava a agir correctamente, não conseguiu lhe demover do seu intento.
Quando assim acontecer, terá que se recorrer aos Órgãos da Justiça, mediante uma acção civil ou um processo criminal, ou por ambas as vias ao mesmo tempo.
Enquanto o Auto de Queixa, que dá lugar ao procedimento criminal, pode ser INTRODUZIDO pelo cidadão em qualquer esquadra policial, a Acção Civil é levada ao Tribunal por um advogado.
ONDE ENCONTRAR SOLUÇÕES NO NOSSO CONTEXTO?
A primeira solução pode passar pelo diálogo. Dialogar com a pessoa ou com as pessoas que, de forma injusta, estão a intrometer-se na nossa vida privada, tentando convencê-las a pôr cobro a uma situação tão desagradável. Por outro lado, o conhecimento daquilo que diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a legislação do nosso país sobre a violação do Direito à privacidade pode ser de grande ajuda, sempre que tivermos de tomar medidas nos casos que o diálogo não conseguiu resolver
É bom lembrar que, mesmo nos casos previstos pela lei em que o Estado tenha de investigar a vida privada de alguém, o cidadão está no Direito de exigir que lhe seja apresentado um mandato de busca passado pela autoridade competente – pelo Procurador, por exemplo. Tal documento deve dizer explicitamente que os agentes da autoridade têm ordem para entrar e revistar a sua casa.