terça-feira, 6 de março de 2012

Direito à Integridade Física da Mulher

HISTÓRIA DE VIDA


Ana e André têm dois filhos. O casal vive há cinco anos no bairro Catambor, em Lu­anda. Tudo começou, poucos meses de­pois de ambos terem decidido viver jun­tos. André é pedreiro de profissão; bebe muito e, por tudo e por nada, maltrata a esposa à bofetada e aos pontapés. An­dré não entra com o seu salário para sus­tentar a família; contudo, quando chega a casa, faz exigências para as quais ele não contribui. Num acto de fúria, partiu, com um soco, os dentes da mulher. Des­de que a violência doméstica começou, nunca mais houve paz no casal. Ana não sabe explicar por que é que o André, tão gentil com as demais pessoas, se com­porta assim com ela. Quando se queixa aos familiares do mau feitio do marido, não acreditam nela.

FUNDAMENTO

Em 1981, entrou em vigor a Con­venção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) que reafir­ma os princípios da Declaração Universal dos Direiros Huma­nos e realça a erradicação de todas as formas de discrimina­ção contra as mulheres. Tendo entrado em vigor aos 3 de Setembro de 1981, esta Con­venção foi ratificada por 186 Países. Angola assinou-a no dia 17 de Setembro 1986.

A CEDAW é o instrumento indispensável para promover e proteger os direitos hu­manos das mulheres.

  • Está dividida em 30 Artigos;
  • Contém uma definição da discrimina­ção contra as mulheres;
  • Obriga os Estados signatários a abs­terem-se de acções discriminatórias com base no sexo;
  • Obriga os Estados signatários a tomar medidas para se alcançar a igualdade entre homens e mulheres em todas as áreas;
  • Reconhece que as mulheres, na vida pública e política, têm os mesmos Direitos que os homens: direito a adquirir uma nacionalidade, à educa­ção, à vida, ao divórcio e à família;
  • Reconhece e condena todas as for­mas de violência doméstica.

Em 1992, o Comité para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres adopta a Recomendação Nº. 19 sobre violência contra a mulher onde se estabelece que a violência contra a mulher pelo simples facto de ser mulher deve ser incluída entre as formas de discriminação da mulher, e exige que todos os países que ratificaram a CEDAW apresentem relatórios à Comissão de quatro em quatro anos, con­tendo informações sobre as leis que digam respeito à mulher, sobre a reincidência da violência contra a mulher nem como sobre as medidas tomadas para a deter e elimi­nar.

Em 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre a eli­minação da violência contra a mulher; nela se definiu a violência contra a mulher como todo o acto de violência baseado no género que tem como resultado possível ou real um dano físico, sexual ou psicológico, incluindo as ameaças, a coerção ou a proibição arbi­trária da liberdade, tanto em público como em privado.

A Declaração estabelece que a violência contra a mulher inclui, entre outras coisas:

  • Violência física, sexual e psicológi­ca que ocorra na família, incluindo maus tratos, espancamentos, abuso sexual das meninas no lar, a violência relacionada com o dote, a violação marital, a mutilação genital feminina e a violência relacionada com a ex­ploração.
  • A violência física, sexual e psicológica que ocorra na comunidade, incluindo a violação, o abuso sexual, o assédio e a intimidação sexual no ambiente de trabalho, em instituições educa­cionais ou em qualquer outro lugar público, a escravidão sexual de mu­lheres e meninas e a prostituição for­çada.
  • Violência física, sexual ou psicológi­ca perpetrada ou tolerada pelo Esta­do, onde quer que esta ocorra.

Aos 17 de Dezembro de 1999, a Assembleia Geral da Nações Unidas designou o dia 25 de Novembro como o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher. As Nações Unidas convidou governos, organizações internacionais e organizações não gorvenamentais a organizar, nesta data, actividades capazes de sensibilizar o públi­co sobre o grave problema da violência con­tra a mulher.

A proposta do Dia Internacional da Elimina­ção da Violência contra a Mulher, surgiu na República Dominicana com o apoio de 60 países.

Também em 1993, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas designou a primeira Relatora especial sobre a violên­cia contra as mulheres por um período de três anos. Cabe à Relatora receber denún­cias e investigações sobre casos de violên­cia contra as mulheres em todos os países membros da Nações Unidas. O seu primeiro relatório versou o tema da violência de gé­nero; o segundo focou a violência domésti­ca e a escravidão sexual.

Em 1995, realizou-se a Quarta Conferência Mundial da Mulher, onde se afirmou: “A violência contra as mulheres é um obstácu­lo que não permite atingir os objectivos da igualdade, do desenvolvimento e da paz. A violência contra a mulher viola e anula a li­berdade fundamental e o gozo efectivo dos Direitos Humanos”. O fracasso permanente dos Estados quanto à protecção e à promo­ção desses direitos e liberdades é um as­sunto que lhes diz respeito e que deve ser discutido.

Em 2005, entrou em vigor o Protocolo Adi­cional à Carta Africana dos Direitos Huma­nos e os Direitos dos Povos sobre os Direi­tos das Mulheres em África, adotado da União Africana em Julho de 2003, chamado Protocolo de Maputo. Trata-se de um docu­mento com muitos aspectos positivos para a promoção e proteção dos Direitos Huma­nos das mulheres africanas. Este Protocolo, de 32 Artigos, revela uma visão ampla dos Direitos Humanos, tais como o direito das viúvas à herança, o direito protegido de di­vórcio, o direito à participação na competi­ção política e no mundo do trabalho, a proi­bição de casamentos forçados e precoces, o direito à integridade física e à proibição de todas as práticas nocivas tradicionais, como a mutilação genital feminina.

O Protocolo de Maputo afirma, no âmbito do direito à saúde reprodutiva (artigo 14c), que os estados devem proteger os direitos reprodutivos das mulheres “autorizando o aborto clinicamente assistido nos casos de violação e incesto e sempre que a continu­ação da gravidez ponha em risco a saúde mental e física da mãe ou a vida da mãe ou a do feto”.

O Papa Bento XVI, durante a sua viagem apostólica à África, em Março de 2009, cri­ticou o art.14c, mostrando uma grande pre­ocupação, na medida em que ele legaliza o aborto para fins terapêuticos.

Os Bispos reunidos para o Sínodo Africano, consideraram também os efeitos proble­máticos do Protocolo de Maputo sobre as mulheres e sobre a vida humana no que respeita a saúde reprodutiva das mulheres e, na Proposição 20, fazendo ver como “de acordo com o ensinamento da Igreja, o abor­to é contrário à vontade de Deus. Além disso, o mesmo artigo está em contradição com os direitos humanos e com o direito à vida. Ele banaliza a gravidade do crime do aborto, des­valorizando o valor da procriação humana. A Igreja condena esta posição sobre o aborto e proclama que o valor e a dignidade da vida humana devem ser protegidos desde o mo­mento da concepção até à morte natural” .

Outro elemento a que se deve prestar gran­de atenção é o termo “género”, utilizado no direito internacional, para referir a discrimi­nação entre homem e mulher.

Nele, por género, entende-se o conjunto de características, de oportunidades e expec­tativas que a sociedade atribui às pessoas com base no seu sexo. É uma construção social – não natural – que muda de um gru­po social para outro e de uma época para outra, enquanto que o termo sexo refere a diferença biológica, determinada genetica­mente, entre homens e mulheres.

A Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo, apesar de reconhecer o diferente significado dos dois termos, cha­mou a atenção para possíveis instrumenta­lizações na sua interpretação, afirmando: “ A diferença corpórea, denominada sexo aparece minimizada, ao contrário da di­mensão estritamente cultural, chamada género, que é sobremaneira sublinhada e considerada como primária. O facto de se pôr na sombra a diferença entre os sexos traz consequências enormes aos diversos níveis.

Esta antropologia – que visava favorecer perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de qualquer determinismo biológico – inspirou, na realidade, ideolo­gias que promovem, entre outras coisas, pôr em causa a família, bi-parental por sua índole natural, quer dizer, composta de pai e mãe; a equiparação da homossexualidade à heterossexualidade e um novo modelo de sexualidade pluriforme”.

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

  • A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres
  • A Declaração sobre a eliminação da violência contra a mulher
  • O Protocolo Adicional à Carta Afri­cana dos Direitos Humanos e os Di­reitos dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África
  • A Recomendação N. 19 sobre vio­lência contra a mulher.
CONSEQUÊNCIAS

Possíveis Consequências da Violência Contra as Mulheres (OMS)

FÍSICAS:

  • Lesão abdominal
  • Contusões e cílios
  • Síndromes de dor crônica
  • Deficiência
  • Fibromialgia
  • Fraturas
  • Distúrbios gastrointes­tinais
  • Síndrome do Intestino Irritável
  • Lacerações e abrasões
  • Danos aos olhos
  • Função física reduzida

SEXUAL/ REPRODUTIVAS

  • Distúrbios ginecológicos
  • Infertilidade
  • Doença inflamatória pélvica
  • As complicações da gravidez / aborto
  • Disfunção Sexual
  • Doenças sexualmente transmissíveis, in­cluindo VIH/SIDA
  • Aborto em risco
  • Gravidezes indesejadas

PSICOLÓGICA/ COMPORTAMENTAL

  • Abuso de álcool e drogas
  • Depressão e Ansiedade
  • Transtornos alimentares e do sono
  • Senso de vergonha e culpa
  • Ataques de fobias e pânico
  • Inatividade física
  • Baixa auto-estima
  • Estresse Pós-Traumático
  • Distúrbios psicossomáticos
  • Fumo
  • Comportamento suicida e auto-destru­tivos
  • Comportamentos sexuais de risco

ONDE ENCONTRAR SOLUÇÕES NO NOSSO CONTEXTO ?

A pessoa vítima de violência ou de maus tratos deve, logo que possível, denunciar o caso às autoridades policiais de modo a ser devidamente tratada. O mesmo se deve fazer em caso de violência domésti­ca, quando, por exemplo, a mulher for es­pancada pelo marido.

Nem sempre é fácil encontrar uma so­lução para o seu caso. Muitas vezes, as próprias autoridades judiciais, a quem os cidadãos recorrem, não sabem o que fazer em questões ligadas à violência doméstica ou resolvem-nas deficientemente. Mesmo assim, não se deve dar lugar ao desânimo.

É preciso insistir porque, só com as autoridades competentes é que se poderá chegar a uma solução adequada.

Em casos de violência doméstica – os mais frequentes nas nossas comunidades – a pessoa lesada pode apresentar queixa na Esquadra da Polícia mais próxima da sua residência. Em Luanda, funcio­na de segunda a sexta-feira, das 8 às 12 horas, no bairro da Vila Alice, na Rua da Liberdade, nº 134, o Centro de Aconselhamento da OMA, que conta com o auxílio de juristas experientes; este Centro tem-se esforçado por resolver todos os casos de violência doméstica que alí apa­recem diariamente.


Por: José da Silva Mateus